UFMS: estudo aponta alto acometimento de doenças crônicas não transmissíveis e sedentarismo nas mulheres negras

Mais acometidas por doenças crônicas não transmissíveis, com alto nível de sedentarismo e pouco acesso a melhor qualidade de vida, as mulheres negras são um retrato da necessidade de maior investimento em pesquisas étnico-raciais no Brasil.

 

Essa é a constatação de pesquisa realizada por pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS),Campus de Três Lagoas (CPTL), e da Universidade de Campinas no “Estudo das doenças crônicas não transmissíveis, hábitos de vida e sedentarismo em mulheres negras”, assinado pela professora da Unicamp Antonia Dalla Pria Bankoff, Ieda Maria Gonçalves Pacce Bispo (CPTL), Carlos Aparecido Zamai (Unicamp) e Maicon Douglas Rodrigues (CPTL).

 

O estudo, apoiado pelo CNPq e pela Capes, será apresentado no próximo mês de julho em Madrid-Espanha pela professora Antonia Bankoff, que atuou como professora visitante no CPTL por quatro anos, no 70 Years IAPESGW International Congress.

 

Pesquisa

 

A pesquisa envolveu cem mulheres negras, entre 19 a 67 anos de idade, residentes nas cidades de Três Lagoas e em Americana, no estado de São Paulo. O grupo respondeu questionário com informações pessoais e de saúde, nível de escolaridade, hábitos alimentares, práticas de atividades físicas, hábitos considerados nocivos à saúde (uso do tabaco e bebida alcoólica), doenças crônicas não transmissíveis, imagem corporal, qualidade de vida e acesso as aulas de educação física escolar no contexto educacional. Todas tiveram peso, altura e pressão arterial medidos e aferidas as circunferências de cintura e do quadril.

 

Das cem mulheres participantes do projeto de pesquisa, 49 estavam entre 19 e 30 anos e 51 na faixa etária dos de 30 a 67 anos. O índice de Massa Corporal (IMC) médio foi de 30,12, percentual que representa obesidade em grau 1.

 

Os resultados apontaram que 60% das mulheres estão obesas e que 38 delas possuem parentes obesos na família. São hipertensas 52%, diabéticas 42%, possuem doenças cardiovasculares 36% e 60% não realizam exame de mamografia com frequência.

 

“Na população negra, a pressão alta é mais frequente, começa mais cedo que nos indivíduos brancos e apresenta uma evolução mais grave. No Brasil, as síndromes causadas pela hipertensão são a principal causa de morte materna, representando um terço dos óbitos, e mais, estudos revelam que a taxa de mortalidade por síndromes hipertensivas nas negras é quase seis vezes maior do que nas brancas e as negras têm ainda 50% a mais de chances de desenvolver diabetes”, explica Antonia Bankoff.

 

Ainda, 52% assumiram ter sofrido violência doméstica, 32% consomem tabaco e 75% bebida alcóolica diariamente. Apesar da Lei Maria da Penha, enfatiza a professora, “as mulheres negras continuam sendo assassinadas sem a proteção do estado e sem a proteção do movimento de mulheres”. De acordo com o Instituto Avon-Fale sem medo, nos últimos dez anos houve aumento de 54% no número de assassinato de mulheres negras no Brasil.

 

“Além disso, pesquisas comprovam que o consumo de bebidas alcoólicas tem aumentado entre o gênero feminino. Uma dessas pesquisas faz parte da revisão de 68 estudos relizados na Universidade New South Wales, na Austrália, que descobriu que as mulheres andam tomando bebidas alcoólicas quase na mesma proporção que os homens”, aponta.

 

Pelo menos 65% têm apenas o ensino fundamental incompleto, 62% trabalham fora de casa e 38% moram em barracos. “Em relação à escolaridade, percebe-se que as pessoas sem instrução e com fundamental incompleto apresentaram maior predominância do diabetes (9,6%). Já as com superior completo apresentaram apenas 4,2% de prevalência”, aponta a pesquisadora.

 

“Quanto ao número de pessoas que habitam na mesma família também consideramos alto. Vinte das entrevistadas responderam morar dez  pessoas na mesma casa e 15 responderam morar com outras nove pessoas. Nossa pesquisa aponta que as casas possuem de três a quatro cômodos. Pelos resultados, ainda é alto o numero de pessoas que habitam na mesma casa, demonstrando assim a falta de uma política habitacional em nosso país”, diz Antônia.

 

Quando ficam doentes, 68% dizem recorrer às farmácias primeiramente e 18% às unidades básicas de saúde. O nível de sedentarismo é bem alto, 88%, sendo que 72% não tiveram acesso às aulas de educação física escolar e 64% não gostam do próprio corpo.

 

“Existem dois tipos de pessoas sedentárias; uma delas é aquela pessoa que não pratica atividade física porque não quer, e a outra é aquela que não pratica por falta de oportunidade. Acreditamos que no caso da mulher negra ela se encaixa na segunda opção, ou seja, falta de oportunidade e de condições socioeconômica.  A falta de movimento atinge todo o organismo humano, onde cada tecido e cada órgão tem sua capacidade de acordo com sua função, e que quanto menos eles forem exigidos, menor será sua capacidade de exercer sua função. A falta de uso é caracterizada inicialmente por uma queda na capacidade corporal e orgânica, ocorrendo assim atrofias, incapacidades funcionais, distúrbios no sistema de regulação, entre outras, finalizando-se com doenças típicas do envelhecimento”, completa.

 

Desigualdades

 

A pesquisadora afirma que as desigualdades étnico-raciais continuam existindo com forte predomínio sobre os negros. “A constatação da escassez de estudos científicos sobre a saúde e a doença do negro, em especial sobre mulheres negras, levou-me a realizar este projeto”.

 

O Brasil tem uma população aproximadamente de 208 milhões de habitantes, 56% do qual se autodeclaram negros e pardos, o que se constitui em mais de 100 milhões de pessoas. Se levarmos em conta só essa população negra, seriamos o 2º maior país negro do mundo, perdendo apenas para a Nigéria, que fica no continente africano. Do ponto de vista econômico e social, a população negra está entre as mais pobres e menos instruídas.

 

“Grande parte vive na periferia de centros urbanos, com moradias inadequadas, baixa cobertura de saneamento básico, proporção elevada de analfabetismo, pouca qualificação profissional e pouca perspectiva de ascensão social. É uma população marginalizada, discriminada socialmente e mais vulnerável à violência e a doenças”, afirma Antônia.

 

Fonte: UFMS

Destaques

MS, BRASIL E MUNDO