Pesquisadores do Instituto Integrado de Saúde investigam intoxicação de trabalhadores por agroquímicos em MS

Levantamento do Ministério da Saúde, recém-publicado como “Atlas do Câncer relacionado ao Trabalho no Brasil”, registrou 18 tipos da doença ligados às atividades profissionais, com envolvimento de 900 agentes cancerígenos.

 

Um dos maiores mercados consumidores de agrotóxicos no mundo, o Brasil, assim como Mato Grosso do Sul, celeiro agrícola, tem um passivo com os trabalhadores expostos a agroquímicos.

 

Essa realidade está sendo pesquisada no Instituto Integrado de Saúde com o projeto guarda-chuva “Exposição ocupacional a agroquímicos: consequências à saúde dos trabalhadores de Mato Grosso do Sul”, coordenado pela professora de Enfermagem Luciana Contrera, que engloba três pesquisas de Mestrado e projetos de Iniciação científica.

 

As pesquisas apontam que o trabalhador da agricultura é, na grande maioria, autônomo, sem carteira assinada. “Ele acaba tendo o diagnóstico da doença e não pode parar de trabalhar, porque só tem esse ofício para sobreviver e sustentar a família. Por isso, continua se expondo aos riscos, é um prognostico muito ruim, com reincidência alta. Temos uma história muito triste”, explica a professora Luciana.

 

Trabalhadores rurais

 

Já publicada, a dissertação “Câncer relacionado ao trabalho notificado em Campo Grande”, da pesquisadora Jackeline Lazorek Saldanha da Silva, apresentou estudos no Hospital do Câncer, referência oncológica no estado, onde verificou-se o impacto da patologia para os trabalhadores acometidos com a doença.

 

O estudo foi realizado em duas etapas: a quantitativa com base nas notificações de câncer relacionado ao trabalho e a segunda, qualitativa, com entrevista a alguns dos trabalhadores.

 

Foram acompanhadas 41 notificações de câncer ocupacional, entre 2015 e 2017. O levantamento mostrou que 85,4% eram do gênero masculino; 87,7% com  idade superior a 50 anos (39,0% de 51 a 70 anos e 48,8% acima de 70 anos); 51,2% da raça branca; 83% autônomo e 63,4% com ocupação rural. Os trabalhadores foram expostos a um ou mais agentes cancerígenos, como radiação ionizante (68,3%); óleos minerais (24,4%); benzeno (17,1%); alcatrão, hidrocarbonetos alifáticos e sílica (14,6%).

 

“Na etapa qualitativa os relatos foram organizados em duas categorias: “fatores intrínsecos e extrínsecos do câncer como causa da doença” e “o câncer e repercussões na vida do trabalhador”. Verificou-se que os trabalhadores acreditam que o trabalho possa ter contribuído para o aparecimento do câncer, correlacionando com a exposição solar e agrotóxicos. O diagnóstico do câncer trouxe um impacto psicológico, financeiro e levou ao afastamento das atividades laborais”, aponta Jackeline.

 

Como conclusão, a pesquisadora observou que os trabalhadores rurais foram os mais acometidos, com predominância de câncer de pele, seguido por câncer de boca, faringe, esôfago e estômago e câncer de pulmão ou mediastino.

 

“Todos trabalhadores foram expostos a mais de um agente de risco, com maior porcentagem de radiação ionizante, seguido por óleos minerais e benzeno. Os trabalhadores acreditam que o trabalho foi um fator de risco para o câncer. Ações devem ser voltadas a capacitação para uma melhor notificação dos dados, a fim de que a captação precoce facilite estratégias de prevenção”, segundo Jackeline.

 

A professora Luciana chama atenção para a maioria dos cânceres ocupacionais terem relação causal direta com os trabalhadores rurais que estavam expostos aos agroquímicos e também à exposição solar.

 

Como apenas seis trabalhadores puderam ser entrevistados – a maioria não foi encontrado ou já havia ido a óbito – uma nova pesquisa pretende trabalhar a prevenção.

 

“Percebemos como é difícil trabalhar quando a notificação acontece da doença, muitas vezes em estágio avançado. Por isso, queremos trabalhar um pouco antes, tentar pegar os casos no início, quando está havendo sinais de intoxicação, antes de chegar no diagnóstico de câncer e quando não há mais prevenção”, completa a professora Luciana.

 

A mestranda Nathália Freitas dos Santos fará o acompanhamento no Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest/Sesau). “Não temos prevenção, legislação que promova conscientização com relação ao uso de agrotóxicos. Por isso, quero entrevistar pessoas que foram intoxicadas em 2017 para saber qual a sua situação de saúde atual e quais são as repercussões dessa intoxicação na sua vida, sequelas, se precisou passar por cirurgia ou algum procedimento mais invasivo”, explica a mestranda.

 

As intoxicações por agroquímicos são de notificação compulsória, porém em razão dos sintomas de intoxicação serem dificilmente perceptíveis pelos indivíduos acometidos e pelos profissionais que atendem esse caso, há subnotificação. “Além disso, outro desafio é correlacionar a intoxicação como um acidente de trabalho, por isso acreditamos que  as notificações de intoxicação exógena relacionado ao trabalho são tão pequenas. Quando essas situações são identificadas, são notificadas  e documentadas no Cerest. De qualquer modo, todos os casos diagnosticados  como intoxicação exógena são notificados ao Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinistox)”, acrescenta a mestranda Nathália.

 

A preocupação dos pesquisadores é a correta abordagem desse paciente e diagnóstico, para que assim as notificações sejam eficazes na promoção a saúde e prevenção de doenças derivadas da intoxicação.

 

Agentes de endemias

 

Outro projeto de pesquisa está restrito aos agentes de saúde de endemias – que fazem o controle dos mosquitos transmissores da Dengue e da Leishmaniose em Campo Grande.

 

“Como trabalham diretamente com agroquímicos, são profissionais que estão expostos ao risco, inclusive fazem controle sorológico bem rigoroso, com exames bimestrais no Laboratório de saúde pública do estado – Lacen”, diz Luciana.

 

A mestranda Laura Elis Aguero Reis irá analisar os prontuários e os resultados dos exames de sangue de agentes concursados, atuando no Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) e Centro de Controle de Vetores (CCV).

 

De um universo de aproximadamente 42 agentes de controle de endemias que possuem contato direto com agroquímicos no trabalho, foi possível selecionar para a amostra da pesquisa apenas 27, pois nem todos tinham o acompanhamento e as fichas completas e precisaram ser descartados da pesquisa.

 

Dados preliminares apontam que dos 27 prontuários de agentes de endemias analisados, 17 deles apresentaram exames de sangue alterados, sendo que destes sete referem-se a sinais e sintomas de intoxicação, ou seja, mais de 50% das fichas analisadas apresentava algum tipo de consequência à exposição pelo agroquímico.

 

A cada exame que fazem, os agentes preenchem uma ficha com informações sobre os sintomas – irritação nos olhos, problema respiratório, perda de audição, dermatite, entre outros.

 

Em uma segunda etapa, será feita a análise ergonômica do trabalho dos agentes, com acompanhamento in loco durante a jornada de trabalho, com verificação de questões como tempo e formas de exposição aos agroquímicos, o uso correto dos equipamentos de proteção individual (EPI), carga de trabalho, entre outros fatores que determinam as condições de trabalho.

 

“Quando a situação se agrava, os trabalhadores intoxicados são retirados da exposição, mas com a melhora retornam à atividade. A exposição desse agente de endemias passa pela manipulação, preparo, até o momento que ele vai para a rua para a pulverização. Então é uma exposição constante”, diz a coordenadora.

 

As pesquisas também têm a participação dos bolsistas de Iniciação Científica Bianca Modafari Godoy e Kelven Jones de Oliveira Amarilha, do Curso de Graduação em Enfermagem do Inisa.

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